Especial
Jogo sujo
VEJA
revela o maior escândalo já visto
no futebol brasileiro: em conluio com
empresários, dois juízes – um deles
árbitro da Fifa – fraudavam resultados
de partidas para lucrar com apostas
André Rizek e Thaís Oyama
Antonio
Milena
|
O juiz
da Fifa Edilson Pereira de Carvalho: 15 000 reais por
jogo "vendido" |
O Gaeco
(Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado
do Ministério Público de São Paulo) e a Polícia Federal
estão a ponto de desmantelar uma quadrilha montada com o
objetivo de manipular resultados de partidas de futebol do
Campeonato Brasileiro e do Paulista. Ela envolve um grupo de
empresários, donos de bingos em São Paulo e Piracicaba (no
interior paulista) e o árbitro Edilson Pereira de Carvalho,
um dos dez juízes brasileiros pertencentes aos quadros da
Federação Internacional de Futebol (Fifa), que reúne a
elite da arbitragem mundial. Com os resultados acertados com o
juiz, a quadrilha lucrava em apostas milionárias em sites de
jogatina na internet. É o maior golpe na paixão dos
brasileiros pelo futebol e um escândalo de repercussão
internacional.
Gravações
telefônicas mostram que Edilson, em conluio com os empresários,
"vendeu" e, em outras oportunidades, tentou
"vender" os resultados de muitas das 25 partidas que
apitou desde janeiro deste ano nos que são alguns dos mais
importantes torneios do futebol mundial, entre eles as copas
Libertadores e Sul-Americana. Com base nos resultados
combinados com o juiz, os empresários faziam apostas milionárias
em dois sites de futebol na internet que oferecem loterias
eletrônicas. A existência e o funcionamento desses sites no
Brasil são proibidos e as apostas ocorrem de forma
clandestina. O Gaeco já sabe que pelo menos mais um árbitro
– Paulo José Danelon, ligado à Federação Paulista de
Futebol e que apitou no Campeonato Paulista – fazia parte da
quadrilha. Dois bandeiras, da mesma federação, também estão
sendo investigados sob suspeita de participação no esquema.
A quadrilha, segundo o Gaeco, teria lucrado com as fraudes
mais de 1 milhão de reais nos últimos seis meses.
André
Penner
|
Os
promotores José Reinaldo Guimarães Carneiro (à
esq.) e Roberto Porto: ação conjunta com a PF |
As
investigações sobre a máfia do apito tiveram origem em uma
apuração jornalística iniciada por VEJA em abril deste ano.
Informado sobre o trabalho, o Gaeco obteve autorização
judicial para monitorar as ligações telefônicas da
quadrilha com ajuda da Polícia Federal. Os diálogos,
gravados desde agosto deste ano, revelaram a existência de
uma trama destinada a encher os bolsos de um grupo de
apostadores à custa da boa-fé de milhares de torcedores que,
ao adquirir ingressos para um espetáculo esportivo, se
tornaram figurantes involuntários de uma fraude. Nela, a
principal autoridade no campo, em vez de garantir a justeza do
resultado e fazer com que o melhor time vença, dedicava-se a
ajeitar o resultado da partida de acordo com seus interesses
financeiros e os da quadrilha. Um juiz pode interferir
decisivamente no resultado de um jogo. Ele pode forjar pênaltis,
expulsar jogadores injustamente, validar gols ilegais e anular
gols legítimos. Edilson Pereira de Carvalho e seus asseclas
faziam essas tramóias, maculando a alegria de milhões de
brasileiros, em troca de propinas que variavam entre 10.000 e
15.000 reais por partida.
Os juízes
do esquema agiam da seguinte maneira: assim que eram escalados
para um jogo (a escolha se dá por sorteio), comunicavam o
fato ao empresário Nagib Fayad, de Piracicaba. Conhecido
piloto de kart na cidade, ele é apontado pela investigação
como um dos cabeças da máfia do apito. Avisado sobre a
escalação do juiz comprado, Fayad ligava para os seus sócios
– três donos de casas de bingo de São Paulo cujos nomes
permanecem sob sigilo –, a fim de combinar o placar e o
valor da aposta. Em seguida, Fayad registrava o palpite em
dois sites de apostas: o Aebet e o Futbet. Ambos são
clandestinos. Como se sabe, a lei brasileira proíbe jogos de
azar.
Segundo
as investigações, o Aebet, embora registre sede em Montreal,
no Canadá, funciona, na realidade, no Rio de Janeiro. É
aberto a qualquer internauta e recebe apostas para jogos de
futebol ao redor do mundo, com versões em português, inglês
e espanhol. Para apostar nele, basta preencher um cadastro e
escolher a forma de pagamento das apostas: depósito bancário
ou cartão de crédito. Quando o apostador ganha, seu dinheiro
é depositado na conta bancária que ele usou para se
registrar. O site aceita palpites também para corridas de Fórmula
1, lutas de boxe e jogos de basquete no Brasil e em outros países.
O Futbet é um site fechado. Seu domínio está registrado em
nome da empresa BR Ltda, de São Paulo, mas o Gaeco já sabe
que seu verdadeiro proprietário mora em Piracicaba – a
mesma cidade de Fayad. Os sites, pelo que se apurou até
agora, não teriam participação no esquema.
Antonio
Milena
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Acima,
Edilson xinga o zagueiro Sebá (o primeiro à
esquerda com o uniforme do Corinthians). Abaixo, o
juiz Danelon apita jogo do Santos, no Paulistão |
Luludi/Lux
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O lucro
da máfia do apito variava de acordo com o jogo em questão.
Tanto o site Aebet quanto o Futbet estabelecem o valor do prêmio
a ser pago aos apostadores (via depósito bancário) de acordo
com a lógica das bolsas de aposta convencionais: se um time
é considerado favorito em uma determinada partida, mais
pessoas apostarão nele. E o prêmio, portanto, será menor
– no caso dos sites usados pelo esquema, em torno de uma vez
e meia o valor bancado pelo apostador. Já por um palpite numa
equipe com menos chances de vitória, o Aebet e o Futbet
pagavam até mais de seis vezes o valor apostado. A tática da
quadrilha era apostar quantias vultosas – entre 150.000 e
200.000 reais –, na maioria das vezes em times tidos como
favoritos. "Dessa forma, caberia aos árbitros do esquema
apenas garantir que não haveria as chamadas 'zebras'",
explica o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro, do
Gaeco. A desfaçatez da quadrilha era tamanha que, em um dos
diálogos gravados pela polícia (veja
trechos), Edilson garante a Fayad que ele pode
"jogar até os carros" que tem na vitória do Vasco,
que enfrentou o Figueirense na 18ª rodada do Campeonato
Brasileiro. "Vê o limite que você pode jogar e mete
ferro, que eu meto ferro dentro de campo", diz Edilson. O
árbitro promete que irá fazer o resultado combinado
"nem que tenha de sair do estádio sob escolta".
As
escutas telefônicas mostram que, em algumas partidas, como
aquela em que o Figueirense venceu o Juventude por 4 a 1, no
último mês de julho, o juiz Edilson não conseguiu produzir
o resultado combinado com seus cúmplices. Em uma das
conversas captadas pela PF, o árbitro Edilson lembra ao
empresário Fayad que tentou favorecer o Juventude com um pênalti
mas "eles erraram". Na partida, o árbitro marcou um
pênalti a favor do Juventude. A bola chutada pelo atacante Zé
Carlos foi defendida pelo goleiro do Figueirense.
As gravações
da polícia indicam ainda que a ação da quadrilha despertou
a atenção de pessoas fora do âmbito da investigação. Pelo
menos um dos dois sites usados pela quadrilha, o Aebet, vinha
recusando apostas em jogos apitados pelo juiz Edilson. Duas
das partidas que ele arbitrou na 21ª e na 24ª rodadas do
Campeonato Brasileiro (Internacional x Coritiba e São Paulo x
Corinthians) permaneceram fechadas para apostas no site. Foram
os únicos jogos não liberados para palpite entre as 22
partidas das duas rodadas.
A interdição
não passou despercebida pela quadrilha. Em um dos diálogos
captados pela investigação, Fayad diz a Edilson que eles terão
de "dar um jeito", já que, como o grupo apostou
"pesado nos últimos três jogos" apitados pelo
juiz, "eles (os proprietários do site) estão
desconfiados". O Gaeco e a PF já sabem que Edilson foi
apresentado à máfia do apito por outro árbitro, Paulo José
Danelon, que já atuava no esquema antes dele. Esse segundo árbitro
apita atualmente na segunda divisão do Campeonato Brasileiro.
Mora em Piracicaba e era secretário da Faculdade de
Odontologia da Unicamp, até ser demitido no início deste mês
por justa causa. Como Edilson e Fayad, ele poderá ter a prisão
decretada ainda nesta semana.
O artigo
275 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva determina que
as partidas cujos resultados sofram alteração em conseqüência
de má-fé do árbitro deverão ser anuladas. Nesse caso, o
Campeonato Brasileiro – que vinha registrando aumento de público
e uma das maiores médias de gols de toda a sua história –
sofreria uma mudança na sua tabela de classificação. Se as
partidas apitadas por Edilson forem anuladas, conforme
determina o Código, o Internacional perderia a liderança
isolada e Vasco e Cruzeiro ficariam mais perto da zona de
rebaixamento para a segunda divisão (veja
quadro). O resultado do Campeonato Paulista, encerrado
no último mês de abril, também teria de ser alterado no que
diz respeito à relação dos times rebaixados à segunda
divisão: União Barbarense, União São João, Atlético
Sorocaba e Inter de Limeira. As revelações sobre as fraudes
cometidas pelos árbitros Edilson e Danelon neste torneio, no
entanto, não tirariam o título do São Paulo. O time venceu
o campeonato com uma vantagem de oito pontos sobre o segundo
colocado, o Corinthians. Mesmo a anulação das partidas
apitadas pelos árbitros flagrados vendendo sua honra e seus
apitos não reverteria essa situação.
Edilson
sempre gozou de boa reputação como árbitro. Ultimamente,
porém, vinha chamando atenção mais por suas atitudes
controversas. No início do mês, durante uma partida entre
Corinthians e São Paulo, ele foi acusado de ter xingado o
zagueiro Sebá e o atacante Tevez, ambos argentinos, de
"gringos de m...". O Corinthians entrou com uma ação
contra ele no Superior Tribunal de Justiça Desportiva. O
julgamento será realizado na semana que vem. Em 2003, o árbitro
havia sido acusado de apresentar à Federação Paulista um
falso diploma de conclusão do 2º grau – a instrução mínima
exigida para os juízes brasileiros. O caso morreu. Não
chegou sequer a ser investigado pela Federação.
Quarenta
e três anos, casado, pai de uma filha e morador de um condomínio
fechado de padrão classe média em Jacareí (interior de São
Paulo), Edilson é um lateral-esquerdo frustrado. Na
juventude, tentou ser jogador de futebol. Fez testes no São
José, mas nunca conseguiu ser contratado. Tornou-se árbitro
em 1991. Em 1994, apitou seu primeiro jogo profissional, no
Campeonato Paulista. Em 1999, indicado pela Confederação
Brasileira de Futebol (CBF), entrou para os quadros da Fifa,
conquistando a graduação máxima para um juiz. Os árbitros
da Fifa – que, no Brasil, ganham 2.500 reais por jogo
apitado – são os únicos aptos a trabalhar em competições
internacionais, como a Copa do Mundo. Edilson nunca participou
de nenhuma, mas arbitrou partidas importantes da Copa
Libertadores (o mais relevante torneio sul-americano de
clubes). Ele foi o juiz dos dois jogos da semifinal de 2000,
entre Palmeiras e Corinthians, considerados embates históricos
na história dos dois tradicionais clubes. Fora do campo,
Edilson (também) é comerciante – tem uma frota de carros
de aluguel e uma pequena fábrica de brinquedos.
Religioso,
Edilson costuma cumprir um ritual antes do início de cada
jogo que apita: levanta seus cartões amarelos e vermelhos –
personalizados com a inscrição "Deus é Fiel" –
e reza no centro do gramado. Agora, não adianta rezar: ele
deverá ser indiciado pelos crimes contra a economia popular,
de estelionato e formação de quadrilha. Afirma Roberto
Porto, promotor do Gaeco: "As vítimas dele e do seu
bando são, além dos próprios sites de aposta, os torcedores
que pagaram ingresso no estádio para assistir a uma enganação".
Em
janeiro deste ano, um escândalo semelhante ao da máfia do
apito brasileira explodiu na Alemanha. O árbitro Robert
Hoyzer foi preso sob acusação de manipular cinco resultados
de jogos da segunda e terceira divisões e da Copa da
Alemanha, todos em 2004. Investigações do Ministério Público
daquele país concluíram que o juiz foi aliciado por uma
gangue de apostadores – supostamente originária da Croácia
e, a exemplo da máfia brasileira, ligada a loterias eletrônicas
clandestinas da Europa. Hoyzer admitiu o crime, foi afastado
definitivamente do futebol e agora responde a um processo que
pode lhe render até dez anos de cadeia. Por determinação da
Justiça, o Hamburgo, um dos times eliminados da Copa da
Alemanha por causa da arbitragem fraudulenta de Hoyzer, foi
indenizado pela federação alemã. Outros países, como Finlândia,
Cingapura e Vietnã, também tiveram seu futebol recentemente
conturbado por denúncias de compra de resultados. O aumento
da manipulação das partidas por apostadores de loterias
eletrônicas – assim como o da lavagem de dinheiro de clubes
por parte de investidores do Leste Europeu – está hoje
entre as principais preocupações da Fifa. Em um Congresso
realizado no início do mês, em Zurique, na Suíça, a
entidade criou um grupo de trabalho para estudar meios de
combater os dois problemas. O grupo é presidido pelo
brasileiro Ricardo Teixeira, presidente da CBF.
Antonio
Milena
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Edilson,
em sua casa, ao lado de imagem do jogo do Vasco,
fraudado em troca de propina, segundo a investigação |
As
loterias esportivas eletrônicas existem há pelo menos dez
anos na internet – substituíram bolsas de aposta
clandestinas como a italiana Totonero, que, nos anos 80, foi
pivô do maior escândalo de corrupção do futebol mundial (veja
boxe). Por meio desse novo sistema, internautas
vietnamitas hoje podem apostar em jogos do Campeonato
Brasileiro, italianos podem dar palpites em partidas de
torneios israelenses, e assim por diante. Atualmente, o
principal domicílio das loterias eletrônicas é a
Inglaterra. Lá, a prática é permitida por lei e virou mania
entre a população. VEJA apurou que a quadrilha do apito se
preparava para lucrar em euros apostando no LiveScore, um dos
mais famosos sites ingleses.
Pode-se
dizer a favor da profissão de árbitro de futebol que o fato
de apenas Edilson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon
terem sido pegos diretamente pela investigação é uma prova
de que os demais são corretos. Sim. Mas a descoberta da ação
da máfia do apito é um duro golpe contra a credibilidade de
toda a arbitragem brasileira. Ela lança uma sombra de
desconfiança sobre os gramados dos estádios nacionais. Em
quase todas as rodadas dos campeonatos, erros graves cometidos
por juízes costumam virar tema de intermináveis discussões
nas mesas-redondas de domingo. Até o momento, no entanto,
acreditava-se que isso ocorria apenas por deficiência técnica
dos árbitros. Mas, a partir das revelações contidas nesta
reportagem, os torcedores têm o direito de achar que os erros
podem estar a serviço de uma quadrilha de espertalhões. Um
gol legítimo anulado ou um pênalti escandaloso não marcado
podem decidir uma partida ou um campeonato. Como saber se o
espetáculo não foi manipulado pelo árbitro em troca de
dinheiro? Como saber se a alegria de uns torcedores e as
frustrações de outros foram decididas pela qualidade e pelo
empenho dos jogadores em uma disputa leal dentro do campo –
ou foram apenas fruto da ganância de meia dúzia de
apostadores? Como saber?
Os sites
Aebet e Futbet, usados pela máfia do apito, existem desde
2002. Há quase uma década é também possível fazer apostas
de jogos dos campeonatos brasileiros em sites internacionais,
como o LiveScore. O fato de o Aebet já ter recusado apostas
em jogos apitados por Edilson não indica apenas que seus
proprietários já vinham desconfiando da atuação do juiz:
sugere também que eles têm alguma experiência com esse tipo
de fraude. Nada garante, portanto, que não haja outros Fayads
e Edilsons operando há anos no futebol nacional – e fazendo
de bobos os torcedores brasileiros.
O único
escândalo já registrado no futebol do país que pode se
assemelhar ao agora revelado por VEJA foi o que ficou
conhecido como o da "máfia da loteria esportiva".
Em 1982, a revista Placar denunciou a existência de um
esquema – envolvendo, além de juízes, jogadores,
dirigentes e jornalistas – destinado a manipular os
resultados da loteria esportiva. Vinte pessoas foram
indiciadas em inquérito policial – comandado, na ocasião,
pelo atual diretor da Polícia Federal, delegado Paulo
Lacerda. No processo que se seguiu ao inquérito, porém,
ninguém foi condenado. No caso da máfia do apito, dada a
veemência das provas colhidas até agora, é provável que o
resultado seja diferente. A revelação de mais um escândalo
de corrupção é salutar no seu efeito depurador. Mas a decepção
que ela representa para os milhões de brasileiros apaixonados
pelo esporte – bem como o prejuízo que deverá causar à
imagem do futebol brasileiro no exterior – é imensurável.
O Brasil – do mensalão, do valerioduto e dos dólares na
cueca – não merecia mais essa.
A
compra de um jogo
em cinco diálogos
As
conversas abaixo foram gravadas pela Polícia Federal entre os
dias 6 e 8 de agosto. Nelas, o empresário Nagib Fayad, um de
seus sócios em São Paulo e o juiz Edilson Pereira de
Carvalho combinam a "compra" da partida entre o
Vasco e o Figueirense, realizada no Rio no dia 7. O grupo
aposta no site Aebet 150 000 reais na vitória do Vasco e
combina pagar 15 000 reais a Edilson para que ele garanta o
resultado. O juiz cumpre o combinado. Depois do jogo, Fayad
diz que o site não aceitou a aposta do grupo, mas que irá
pagar ao juiz mesmo assim.
"SE
O CARA RECLAMAR, METO PRA FORA"
Na
véspera do jogo, Fayad liga para Edilson e reclama que o árbitro
falhou nos últimos jogos (entre eles, Juventude 1 x 4
Figueirense e Santos 4 x 2 Corinthians). Edilson se defende,
culpando a boa performance do atacante Edmundo, do
Figueirense, na partida contra o Juventude. O árbitro tenta
animar o empresário a dar seguimento ao esquema:
Edilson:
Amanhã eu faço Vasco e Figueirense.
Fayad:
Qualquer coisa eu ligo pra ocê. Tô desanimado.
Edilson:
O Figueirense joga sem cinco titulares. E o Vasco tem de
ganhar de qualquer jeito (...). Vou marcar falta no
meio-de-campo. Se o cara reclamar, meto pra fora (...). Não
joga Edmundo, Cléber, Bilú e Axel (do Figueirense) (...)
Fayad:
É brincadeira. Faz o seguinte: deixa eu ligar pra ocê até
meia-noite, deixa que eu vou ver o que fazer.
Edilson:
Tá jóia, o que você quiser. Pode jogar até os carros que
você tem que amanhã eu saio de escolta (do jogo) do
Figueirense.
Fayad:
Não, beleza.
Edilson:
Pode jogar até os seus carros pra gente tirar um pouco a
diferença, pra mim e pra você, alguma coisa. Porque num jogo
que você jogar forte, você recupera alguma coisa, né?
Fayad:
Não tá fácil. Agora complicou um pouco, mas tem de
buscar devagar agora.
Edilson:
Sim, devagar. Mas se você quiser jogar o que você quiser
amanhã, pra você recuperar uma boa parte... Vê o limite que
você pode jogar e mete ferro, que eu meto ferro dentro de
campo. Que eu tô invocado e você também, né?
|
Carlos Mesquita/AE
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Nagib
Fayad: grampos mostram que ele
"superfaturava" o suborno. Ao lado, cena do
jogo em torno do qual gira a conversa reproduzida no
quadro |
"TEM
UNS TROCADOS PARA O BANDEIRA TAMBÉM"
O
jogo ainda não aconteceu. Fayad acerta com seus sócios uma
aposta de 150 000 reais na vitória do Vasco. O sócio reclama
com Fayad por estar dando dinheiro a "esse juiz f.d.p.,
depois de tudo o que aconteceu" (o não-cumprimento
dos resultados em partidas acertadas anteriormente). Fayad,
no entanto, convence o sócio a dar "outra chance"
ao árbitro. Em seguida, liga novamente para Edilson:
Fayad:
Edilson? Giba. Olha só: vamos fazer, então. Tem 15 000.
Edilson:
Tá certo, tá certo. Tem uma outra coisa. Conversei com o
bandeira*, chamei ele, pra garantir, e tem uns trocados pro
bandeira também... Pediu 5 000.
Fayad:
Cinco mil?! Dá 2 000.
Edilson:
Eu disse que dava por 3 000... Mas vou falar 2 000, então.
Fayad:
Então, tá fechado.
Edilson:
Dá 17 000, então.
Fayad:
Isso.
Edilson:
Você quer que eu te ligue? Quando for 10, 10 e pouco, eu
posso te ligar.
Fayad:
Não precisa, não, tudo certo. Hoje é minha vida que está
em jogo, cê tá entendendo? Vai dar tudo certo?
Edilson:
Pode ter certeza... Se Deus quiser, Giba.
(Em
seguida, as escutas policiais flagram conversa entre Fayad e
um de seus sócios em que o empresário
"superfatura" o suborno pago a Edilson. Diz que o
juiz pede "30 000 reais" para vender a partida)
"JÁ
EXPULSA DOIS, JÁ DÁ O PÊNALTI!"
No
dia do jogo, pela manhã, o empresário Fayad e o juiz Edilson
voltam a conversar:
Fayad:
Mas, fio, qual a certeza que ocê dá pra mim hoje?
Edilson:
Máxima, né?
Fayad:
Qual a certeza? Você dá essa certeza?
Edilson:
Hoje vou falar uma coisa pra você, pra nós dois: pelo amor
de Deus, viu, meu amigo que precisa e ainda perdeu.
Fayad:
Pelo amor de Deus, minha vida que tá em jogo!
Edilson:
A nossa.
Fayad:
Então, tá bom, beijoca.
Edilson:
Pode crer, meu amigo.
Fayad:
Pelo amor de Deus. Olha, lembra bem disso: já expulsa
dois, já dá o pênalti, pelo amor de Deus. Pelo amor de Deus
mesmo!
Edilson:
Já vai tomando o seu uísque, já.
Fayad:
Um abraço, beijoca.
Edilson:
Fica com Deus.
PÊNALTI
"ESCANDALOSO"
Durante
o jogo, Fayad liga para um de seus sócios em São Paulo e
comemora, eufórico:
Fayad:
Oi, você está vendo?
Sócio:
Não.
Fayad:
Já tá 1 a 0. Diz que o pênalti foi escandaloso.
"ELES
ESTÃO DESCONFIADOS"
No
dia seguinte à vitória do Vasco, Fayad liga para Edilson
para dizer que o site não aceitou a aposta do grupo, mas
garante que pagará ao juiz pelo "trabalho". Fayad
diz que os proprietários do site já estão desconfiados de
Edilson. O juiz tenta sugerir alternativas para prosseguir no
esquema:
Edilson:
Mas e se for outra pessoa apostar, então?
Fayad:
Não dá. Não abrem a aposta, entendeu? Achei que era porque
o Figueirense estava com muitos reservas, e nesse caso eles não
aceitam mesmo. Mas é isso: nos três últimos jogos que ocê
apitou, apostamos pesado. Tão desconfiados mesmo... Vamos ter
de dar um jeito. Eu tentei te ligar.
Edilson:
Tinha uma ligação lá, eu vi. Bom, a gente se fala para ver
como é que fica.
Fayad:
Mas ocê fica tranqüilo que comigo ocê não vai perder, fica
tranqüilo.
Edilson:
Então, tá bom. A gente se fala.
*Os
dois bandeiras que auxiliaram o juiz Edilson na partida foram
Márcio Luiz Augusto e Francisco Rubens Feitosa, ambos de São
Paulo
O
Caso Totonero
O
maior escândalo de corrupção no futebol
explodiu em 1980, na Itália. Conhecido como
Caso Totonero, ele chocou o mundo e, claro, os
italianos – tão ou mais aficionados do
esporte do que os brasileiros. As investigações
concluíram que uma máfia de apostadores
havia aliciado atletas, juízes e dirigentes
para fabricar resultados dos jogos que
compunham os cartões da Totonero. Loteria
esportiva clandestina, ela movimentava
centenas de milhares de dólares por semana e
tinha mais de 3 000 agentes espalhados pelo país
encarregados de recolher os palpites. O
atacante Paolo Rossi, então com 23 anos e
tido como o melhor jogador italiano, foi
apontado como um dos participantes do esquema,
ao lado de mais 37 denunciados. Ele foi
absolvido pela Justiça comum e suspenso por
23 meses pela Justiça Desportiva italiana.
O
escândalo se tornou público graças à
revelação de um bookmaker, chamado Alvaro
Trinca, que se sentiu traído por atletas
(alguns acertos de jogos, segundo ele, não
estavam sendo respeitados) e contou tudo à
polícia. Num mesmo dia, treze jogadores foram
presos em estádios italianos. Além de Rossi,
foram detidos atletas da seleção como Enrico
Albertosi, Bruno Giordano e Giuseppe Savoldi.
O envolvimento de dirigentes e jogadores do
Milan e da Lazio fez com que os dois times
acabassem rebaixados para a segunda divisão.
Assim como Rossi, a maioria dos jogadores
denunciados passou por um curto período de
detenção e sofreu punições no âmbito da
Justiça Desportiva – que, em alguns casos,
significou o afastamento definitivo do
futebol. O atacante Rossi, depois de cumprir a
suspensão, voltou a jogar às vésperas da
Copa do Mundo de 1982. Desacreditado no
torneio, foi o autor dos três gols da Itália
que eliminaram o Brasil de Sócrates e Zico na
famosa derrota por 3 a 2, no Estádio Sarriá.
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