Opinião: o constrangimento de um São Paulo que é sempre o último a saber de seus erros
14/02 - 23h27
Por Alexandre Lozetti
Não me lembro da primeira vez em que o cartaz “Eu já sabia” surgiu por aí, em algum estádio de futebol. No São Paulo Futebol Clube a frase se repete diariamente. Suas decisões, algumas bizarras, como as últimas relacionadas aos técnicos da equipe, são tão previsíveis. Todo mundo sabe o que vai acontecer, menos o São Paulo.
As trapalhadas culminaram na mais constrangedora atuação de sua história na Libertadores, o empate sem gols com o Talleres, no Morumbi. Um não-futebol de esvaziar os olhos e o coração do torcedor.
A efetivação de André Jardine para 2019 foi um mergulho num conto de fadas do qual o clube despertou repentina e assustadoramente depois de 10 jogos. Uma historinha que Leco e Raí tentaram contar a uma criança a caminho do sono, até que ela olhou para eles e disse: “Sério?”
Era evidente que dar a um técnico novato, de sucesso na base, em conceitos e resultados, a missão de criar uma identidade, um modelo, uma filosofia de jogo, durante o maior jejum de títulos entre os grandes do país, o período mais perdedor de um São Paulo impaciente, seria absolutamente incompatível. Era óbvio que Jardine não teria tempo de se estabelecer.
No dia seguinte à eliminação precoce da Libertadores, o São Paulo se encontrou encurralado por dois aspectos:
A má concepção dessa equipe;
O trabalho ruim da comissão técnica.
Os pecados do São Paulo
Jardine foi efetivado no dia 25 de novembro. Outro equívoco em seguida à absurda demissão de Diego Aguirre. O São Paulo ainda não sabia, àquela altura, se teria que disputar um mata-mata logo em fevereiro ou iria diretamente aos grupos da Libertadores. Escolheu seu técnico antes disso.
Pois então, a missão deveria ter sido entregar a Jardine um grupo de jogadores que permitisse a ele aplicar as principais virtudes que o levaram ao cargo: transições rápidas – defesa-ataque, ao roubar a bola, e ataque-defesa, ao perder a bola –, jogo apoiado, com aproximação de jogadores para permitir tabelas, triangulações e posse, e velocidade.
O elenco herdado não lhe oferecia nada disso em abundância. Os protagonistas passam longe de tais atributos. Jucilei, Hudson, Nenê, Diego Souza, e por aí vai. E por “protagonistas” entenda-se jogadores de experiência, currículo, capacidade de influência e mobilização que podem ajudar um técnico novato ou intimidá-lo. Depende de como cada um se porta.
Era preciso adicionar velocidade e energia, especialmente no meio-campo. Volantes que pudessem acelerar essas transições, aproximar os setores e construir com passes verticais. Jogadores que, como diz Tite, têm “rodinhas nos pés”.
O único reforço contratado para o setor foi Willian Farias, que, aos 29 anos, jamais apresentou tais virtudes. Leco e Raí ignoraram uma necessidade claríssima.
Os dois melhores do meio-campo são-paulino são muito jovens. Luan começaria o ano na seleção sub-20 e Liziero ainda tem questões físicas que o impedem de desempenhar um bom futebol por 90 minutos em jogos consecutivos.
A esperança por um meio-campo mais impetuoso recaiu toda nas costas de Hernanes, e é preciso que o São Paulo explique o que aconteceu a ele na pré-temporada. O Profeta disputou, como os demais, 90 minutos em 48 horas na pré-temporada, na Flórida. Depois, anunciou-se que ele não tinha condições para entrar em campo em três jogos do Paulistão. O que houve?
O confronto com o Talleres mostrou Hernanes absolutamente aquém, física e tecnicamente.
Os pecados de Jardine
No dia 13 de novembro, antes de ser efetivado, Jardine disse:
– Tenho convicção que o São Paulo tem elenco e peças para jogar melhor e jogar o jogo que gosto e acredito. A questão é em quanto tempo vamos conseguir. A meta é evoluir jogo a jogo e conseguir fazer sempre um jogo melhor do que o outro.
Além de certa deselegância com o demitido Aguirre, Jardine assumiu um compromisso que passou longe de honrar. Seu São Paulo jogou cada vez pior até a eliminação.
Jardine pareceu viver um dilema diário: agarrar-se à ideia de um técnico moderno e ofensivo, disseminada pelo São Paulo na busca de uma justificativa para efetivá-lo, ou adotar o pragmatismo que pudesse dar a ele resultados imediatos e bom ambiente com veteranos?
Na dúvida, não fez nem um nem outro. Jardine começou o ano com Jucilei e Hudson, dupla que todos sabiam não dar certo. A ideia era inserir Liziero aos poucos para que ele fosse titular na Libertadores, mas o processo foi lento, pouco convicto e malfeito, a ponto de o jovem se lesionar a uma semana do início do mata-mata.
O modelo inicial teve Everton e Helinho pelos lados, mas rotineiramente o técnico criava maneiras de abrir mão do jovem, o mais rápido e leve do elenco, e encontrar brechas para escalar Diego Souza e/ou Nenê.
Ainda assim, Helinho foi o melhor do São Paulo na última quarta-feira. Num time que usa repelente de companheiros, onde cada um joga seu próprio jogo e corre em seu caminho na direção de um atalho que nunca chega, o garoto improvisou. Encontrou espaços para evoluir com dribles, tentou tabelas e deu ótimo cruzamento para Diego Souza perder a única chance.
Em troca disso, recebeu nova substituição. Saiu para a entrada de Nenê.
Nenê, por sinal, deveria ter começado jogando no Morumbi. Ao recuar Hernanes, Jardine precisaria de um meia para estar próximo do Profeta e, assim, encurtar a área de ação de um jogador em condições físicas ruins – por que Hernanes jogou contra a Ponte, sábado?
Montar uma equipe de futebol é tarefa artesanal. Às vezes, um jogador não é melhor do que o outro individualmente, mas combina melhor com os outros 10. Ele deve ser o escolhido. No São Paulo de Jardine, apesar do pouco tempo, não foi possível identificar nada preparado em treinamentos, nenhum traço autoral. O time regrediu em relação a 2018.
Não foi por falta de aviso. Torcedores e jornalistas se perguntaram até quando Jardine ficaria e quando Cuca assumiria. Já há uma resposta, agora que o São Paulo coloca como interino um “reforço” contratado para integrar os setores do clube e dar respaldo a Jardine, segundo as próprias palavras de Vagner Mancini no dia 5 de janeiro.