A canção composta em 1945 por Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II, e adotada como hino da paixão da torcida do Liverpool por seu time - entoada entre lágrimas após a sensacional partida em que os ingleses derrotaram o aristocrático e arrogante Milan - caberia muito bem no Morumbi na noite deste 25 de maio. Diante de todos os problemas e dificuldades, dos erros do primeiro tempo, e, sobretudo, da inferioridade numérica a partir dos 10 do segundo, os jogadores do São Paulo ouviram das arquibancadas, dito com outras palavras: "Vocês não caminharão sozinhos".
Estava lá, como sempre, mas hoje foi daqueles dias especiais. São mais de 4 da madrugada, e a excitação não passou. Pênalti não dado em Cicinho; Josué, que era um dos melhores em campo expulso; um esquema de jogo que atraía o Palmeiras excessivamente, os gols que perdíamos, o gol que Washington perdeu, chutando nas mãos de Rogério a 3 metros do gol. Nada calou o coral que fez desta partida um ato de fé.
Menos de uma hora antes do jogo, parecia que mal teríamos 30.000 pessoas. Eu, que havia chegado às 7, quando não havia sequer 10.000 pessoas (talvez nem 5.000), de repente acompanhei o anel superior lotar, as cativas, numeradas e o anel inferior receberem um público bem maior do que se imaginaria às 8h30.
E esse público, de quase 60.000 são paulinos, superou frio, chuva, alagamentos, trânsito ruim, tudo. E essa massa cantou o hino, e cantou, e cantou. E, quando perdemos Josué, ouviu-se, mais alto que em qualquer outro momento, aquele cântico, que, tomado de outra torcida, se tornou o NOSSO, aquele que inunda o Morumbi e nos arrepia, à medida que vai-se intensificando: Ô, ô-ô-ô-ôôôô, ô-ô-ô-ôôôô, ô-ô-ô-ô, É TRICOLOR, ô-ô-ô-ôôôô, ô-ô-ô-ôôôô. ô-ô-ô-ôôôô, É TRICOLOR...
E a reduzida turba de torcedores rivais que tentava, em vão, fazer-se ouvir naquele oceano de três cores, e seu time, em superioridade numérica, foram diminuindo, diminuindo, diminuindo. A coreografia dos que torciam pelo intruso deu lugar à paralisia. A empolgação de seus 11 logo passou a insegurança, depois medo, depois convicção do fracasso, diante de 60.000 vozes que se tornaram 120.000, da garra de 10, que tornaram-se 20, da imensa força que emanava de suas camisas brancas, aquelas que se multiplicavam nas arquibancadas e cadeiras, ofuscando as vistas do inimigo.
A garra deste grupo apareceu novamente, em grande estilo, sobretudo quando ele se viu desfalcado por uma expulsão. A angústia dos primeiros momentos foi-se tornando confiança, na expressão e na atitude de Lugano, na entrega de Mineiro, na incansável correria de Cicinho e Júnior, no espírito de sacrifício de Grafite. O equívoco tático e a ineficácia do primeiro tempo, com 11, transfigurou-se, com 10, em volúpia, aliada à raça, mas igualmente à frieza para neutralizar o adversário e aplicar-lhe os contragolpes.
A comunhão entre a torcida e o grupo é maior do que jamais foi. Estive nas duas finais de Libertadores que vencemos, e o Morumbi nunca jogou tão junto com a equipe, nunca contagiou de tal forma o grupo. Em 92 e 93, era um time cheio de força, com peças referenciais, nomes que desequilibravam. Hoje, e ultimamente, tem sido a gana, a superação, o transe coletivo, muito mais do que os grandes talentos, que não temos.
A expressão de Rogério ao comemorar seu gol, a de Cicinho ao decretar a morte do inimigo, foi o reflexo do que se passava nos corações e rostos de cada um de nós. E é isto que nos faz caminhar ao lado deste time. Em um cenário cada vez mais materialista e monetarista, muitos de nossos atletas são capazes de, por muitos momentos, jogar como se fossem torcedores. Como gostaria que nossos dirigentes agissem da mesma forma.
Só sei que foi duro segurar as lágrimas, saí sem voz, alma lavada, renovada. Não, não esqueci de que vencemos uma equipe limitada, como o é a nossa. Não, não creio que tenhamos qualidade suficiente para chegarmos a este título que é a nossa obsessão. Continua nos faltando criatividade, articulação - o primeiro tempo foi uma bisonha sucessão de lançamentos longos para lugar nenhum, simplesmente porque não temos criação no meio.
Mas coisas como aquelas que aconteceram hoje no Morumbi e, por que não, na semana passada, no Palestra Itália, me emocionam, me orgulham e me fazem pensar na mais deliciosa das utopias: a de que os verdadeiros ídolos, os verdadeiros HOMENS que vestem a camisa do São Paulo, com o apoio daqueles que amam esta mesma camisa, podem superar todos os erros daqueles que administram a instituição, para fazer um grupo humilde, brigador, sem gênios ou estrelas, devolver a grandeza ao São Paulo. Não a grandeza que jamais perderemos e que reafirmamos mais uma vez hoje. Mas a grandeza que vem sob a forma de títulos, de glórias.
Assistir ao que se viu neste 25 de maio de 2005 no Morumbi deveria ser mais que o suficiente para que os homens que têm o destino do São Paulo nas mãos se lembrassem do que este clube representa. E de como ele merece ser bem tratado, de como ele é viável e poderoso. De como vale a pena investir para fazê-lo forte.
Para terminar, a letra original de "You´ll Never Walk Alone". Fala da necessidade de se manter a cabeça erguida, a força para enfrentar as tempestades, os ventos, a escuridão (o que tem total relação, tanto metafórica quanto factual, com o jogo de ontem). De como a esperança pode fazer com que tornemos realidade sonhos que parecem estar se perdendo. Hoje, mostramos a eles que confiávamos, que nada abalava a esperança desta torcida, desde que eles lutassem, que eles não desistissem da luta.
Juntos, 60.000, e mais 10, produziram um pequeno milagre. Podemos fazer maiores.
When you walk through a storm Hold your head up high And don't be afraid of the dark At the end of the storm Is a golden sky And the sweet silver song of a lark
Walk on through the wind Walk on through the rain Tho' your dreams be tossed and blown Walk on, walk on With hope in your heart And you'll never walk alone You'll never walk alone
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